
Da série diálogos no tráfego: o preço da gasolina e a ditadura da maioria
Por AnaKurama
Episódio 1
Dia complicado, calor e aquela máscara sufocante: “bom dia!”.
– Bom dia! Calor, né?
– Tá demais, mas, fazer o quê, não é mesmo?
– Verdade, ultimamente tá cada vez mais difícil viver nesse país. Já viu os preços no mercado? A gente tá trabalhando dezesseis horas por dia pra só conseguir comer ovo!
– Se a gasolina sobe, sobe tudo junto, né?
– Nem me fale! Tudo por causa desse bendito ICMS! Não sei pra quê tanto imposto se a gente não vê esse dinheiro ser usado pra nada. Só serve pra esse bando de parasita roubar!
– Verdade, um absurdo roubar dinheiro público!
– Nem existe essa coisa de dinheiro público, sabe? O dinheiro é nosso! A gente trabalha, trabalha e ainda tem que dar quatro meses da nossa renda pra ladrão sustentar vagabundo!
– Inacreditável, né? Quase metade do orçamento público tirado do povo pra rolar dívida com os herdeiros do país: nem dez por cento da população. E a gasolina? Se a gente ainda pagasse o preço de custo mais uma margenzinha, mas sabe como é, né: negociada lá fora, na bolsa de Nova Iorque, nossa gasolina sai ao preço que os gringo querem receber, não importa o quanto custe extrair aqui. Fora que a gente exporta óleo bruto e importa o refinado, porque vendemos nossas refinarias daqui.
– Não, não, a gasolina tá cara por causa do ICMS. A Petrobras tem mais é que ser privatizada…
– Sério? A gasolina aumenta todo dia… Existe isso de imposto aumentar todo dia?
– É porque a Petrobras cobra o que bem quer, né?! Se fosse uma empresa séria, privada, ia ter que cobrar o valor de mercado.
– Mas ela cobra o valor de mercado. Como acabei de dizer, o preço da gasolina que a gente compra aqui, que é extraída aqui, custa o valor definido lá fora, como se a Petrobras fosse uma empresa privada. Se privatizar, não muda nada, apenas não poderemos fazer nada a respeito. Por enquanto, sendo uma empresa pública, se for do interesse do governo, é possível recomprar as ações da Petrobras e cobrar pela gasolina o valor perto do preço de custo. Não é feito assim justamente porque a empresa está em processo de privatização.
– Duvido! Se tivesse concorrência nunca que o preço ia subir desse jeito! Tá alto por causa do ICMS e da corrupção.
– Verdade, a corrupção destrói nossa confiança na política, né? Como escolher, se todo mundo rouba?
– Mas tem uns que roubam mais que outros né? Pra falar a verdade, não quero nem saber mais desse negócio de política, de eleição… Por mim, jogavam uma bomba em Brasília e acabavam com essa palhaçada! A gente só quer trabalhar e viver com segurança. Daí querem decidir o que a gente pode falar, no que a gente tem que acreditar, do que a gente tem que gostar, um absurdo! A gente não pode falar mais nada, que vem logo esse pessoal dos direitos humanos ameaçar a gente de cadeia só por falar o que pensa! E os meus direitos humanos?
– É mesmo terrível não poder existir plenamente, né? Imagina não poder se expressar, dizer o que se pensa, parece até que vivemos numa ditadura!
– Não é mesmo?
– Verdade, não tenho como discordar. Se a gente tivesse mais liberdade, a gente bem que podia viver melhor, com mais segurança. Imagina só: todo mundo livre, vivendo em paz e ninguém impondo a própria vontade a mais ninguém… seria o paraíso! Mas a democracia estraga tudo, né? Democracia: a ditadura da maioria!
“Você chegou ao seu destino.”
– Obrigada, bom trabalho!
– Fica com Deus! Saúde e paz!
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